
Deixei passar 2021. Guardei o filme, que chegou no último 31 de dezembro, para ver com mais calma, pós-festividades. Fiz isso por saber de antemão, a temática pesada, conturbada que estaria por vir.
A Filha Perdida é um filme que carrega o mesmo nome do livro que o inspirou, uma obra da reservada autora italiana, Elena Ferrante.
A história foi adaptada e dirigida por Maggie Gyllenhaal (O sorriso de Monalisa) e chegou à Netflix no último dia de dezembro (por que isso? Não sei) fechando o ano com chave de ouro.

Estreante na direção, Maggie regeu com maestria a história da protagonista Leda, interpretada por Olivia Colman, uma mulher com uma relação conturbada com a maternidade e que quando as duas filhas Bianca e Martha, de 23 e 25 anos, respectivamente, irem morar com o pai, ela sente-se livre para ir à praia curtir férias, mas lá se vê envolvida em uma confusão de memórias e sentimentos ao se deparar com Nina (Dakota Johnson) e sua família.

Confesso que me agradou muito a escolha da trilha desde a primeira cena, para quem havia lido o livro, imaginar a história tomando forma parecia perigoso demais, mas foi abrandado logo no início.
Olivia Colman e Dakota entregam performances tão profundas em seus papeis que provavelmente nesse filme eu tenha encontrado aquela que para mim, é uma das cenas mais bonitas do ano.

Ao longo do filme, Maggie segue desnudando a personalidade e todas as camadas femininas da mulher criada por Elena Ferrante, provavelmente uma das mais completas de sua carreira.
Em uma das atitudes mais ilógicas e impulsivas de toda a trama, Leda subitamente pega a boneca de Helena (Athena Anderson) filha de Nina, e diariamente cuida, esconde, olha, lava, mas não entrega, mesmo sabendo que todos os frequentadores da praia estão em busca do brinquedo.
A boneca serve também como um fio condutor para as desconfortáveis memórias maternais que chegam em flashbacks para nos ajudar a entender o porquê Leda ora se irrita, ora se comove ao ver Nina presa em sua teia familiar.

O que me agrada muito é ver como conseguiram captar Leda, uma mulher que não se explica, não tenta tornar as situações mais leves, não foge da sua bagunça. Ela sente e aceita os altos e baixos, os riscos e sua própria maldade, o que é mostrado por Colman com todas as nuances e expressividade que sua personagem pede.
Mas considero o grande mote do filme é abordar o lado pesado e controverso da maternidade que parece expulsar o lado sensual da mulher, deixar de lado as ambições profissionais, acadêmicas, abdicar da vida fora os cuidados às crianças, além da culpa por não desejar aquela vida, há culpa também por ser feliz ao abandonar uma vida construída ao lado do marido e admitir isso.

Esse ponto, inclusive revela Jessie Buckley maravilhosa como Leda em sua fase jovem, sofrendo com o descontrole de tentar dar conta, com a dúvida de ficar ou ir embora e com aqueles olhos perdidos de quem não sabe o que fazer.
Ademais, estamos diante de um filme que já chega vencedor de da categoria de Melhor Filme do Gotham Awards, Melhor Roteiro no Festival de Veneza e já concorre em quatro categorias no Spirit Awards e segue como promessa da Netflix para abocanhar mais prêmios em 2022.